“O sertão me deu ensinamentos práticos.
O primeiro é a simplicidade.”
MINHA HISTÓRIA
A beleza de Pedra Azul sob a lente de Gabriel Vieira
Murilo Antunes Fernandes de Oliveira, Meus pais me batizaram com este nome comprido.
Era 1950 quando nascí em Pedra Azul, Vale do Jequitinhonha, nordeste de Minas. Terra pedrenta, mas graciosa. Na letra de “Tesouro da Juventude” eu entrego o ouro: “...foi em Pedra Azul e em toda parte onde tive o que sou” .
Sobrinho-bisneto do lobisomem dizem que sou. Meio lobo, meio homem. Bicho da Carneira em noite sem lua, na agrura do breu. Entidade estranha que vasculha a escuridão, inocula mistério em nosso desaperceber. Gosto de espalhar a lenda que o povo gosta.
Aos 7 anos, embarquei para Montes Claros, princesa do Norte: maruja, mestiça, poeirenta, cor de pequi, amarelo ouro e miséria. A primeira parceria com TAVINHO MOURA tem, no refrão, os versos de domínio público que vieram de lá: Meu facão guarani quebrou na ponta quebrou no meio / eu falei pra morena que o trem tá feio.
É também de lá que vem outro parceiro querido, BETO GUEDES.
Em 1962, vi pela primeira vez o mar, a TV e Belo Horizonte. Foi um ano mágico. O mar era maior que o sertão. Na TV, vi Pelé. BH ainda não era a hora.
Aos 14, tomei um susto sonoro: era meio-dia, eu voltava da aula quando ouvi ao longe, pela primeira vez, os Beatles . Enquanto eu crescia, eles dominavam o mundo e meu coração adolescente.
Belo Horizonte entrou em minha vida aos 15 anos. Atmosfera azul, montanhas se opondo ao que tinha em mente até então, a planura do sertão. A capital de Minas me reservava três novos sustos sonoros: Milton Nascimento, Toninho Horta e Tavinho Moura. Eles abriram os túneis da minha percepção musical.
1953: ainda em Pedra Azul, com o irmão Joe e primos
Avenida principal de Pedra Azul.
Murilo nasceu na quarta casa à direita
Murilo Antunes. Foto de Cristiano Quintino
Aos 18, comecei a compor. Hoje, aos 70, tenho mais de 300 músicas gravadas. E a fortuna de ser um dos letristas reconhecidos do Clube da Esquina. No meu fazer poético, sempre tive influência, admiração e a amizade de Fernando Brant, Marcio Borges e Ronaldo Bastos. No meio do caminho, tinha Flávio Venturini. Nascente foi a primeira pérola que ele me deu para letrar. Hoje, é com ele que tenho o maior número de composições. Beto Guedes e Lô Borges completam o primeiro time de parceiros que cultivo até hoje.
Minha alegria é ser parceiro também de compositores de várias gerações da MPB: meu filho João Antunes, Sirlan, Tavinho Moura, Flávio Venturini, Toninho Horta, Flavio Henrique, Beto Guedes, Lô Borges, Nivaldo Ornelas , Wagner Tiso, Nelson Angelo, Vander Lee, Sergio Santos, Paulinho Pedra Azul, Juarez Moreira, Celso Moreira, Telo Borges, Claudio Nucci, Andre Mehmari, Vitor Santana, Beto Lopes, Rodrigo Borges, Thiago Delegado, Marcos Frederico, Kadu Vianna, Geraldo Vianna, Célio Balona, Paulo Henrique, Túlio Mourão, Claudio Venturini, Vermelho, Yuri Popoff, Natan Marques, Otávio Toledo, Guilherme Rondon, Tunai, Gilvan Oliveira, Kléber Alves, Vaninho Vieira, Rái Medrado, Léo Lopes, Marcelo Godoy, Luis Carlos Sá, Maestro Leo Cunha, Pablo Castro, Sergio Oly, Fernando Oly.
Uns famosos, outros nem tanto. O que não tem a mínima importância para quem ama o ofício de compor.
Como poeta, publiquei 3 livros, em edições esgotadas: “O Gavião e a Serpente” (1979), “Musamúsica”(1990), “Breve Balada para Viola e Sangue” (Caravana Grupo Editorial 2020), além de diversas publicações em revistas e jornais literários. As apresentações de poesia e música tenho feito desde a década de 1980.Uma coisa é certa: não faço poesia quando quero, mas quando ELA quer.
Verbete na Enciclopédia da Música Brasileira, de Ricardo Cravo Albin., confesso o prazer de ter canções interpretadas por Milton Nascimento, Leila Pinheiro, Nana Caymmi, Jane Duboc, Maria Rita, Alcione, Hebe Camargo, MPB-4, 14 Bis, Cobra Coral, Legião Urbana, Djavan, Mart’nália, Paulinho Pedra Azul, Michael Brecker, Seu Jorge, Banda de Pau e Corda, Simone, Ed Motta, Emílio Santiago, entre muitos e muitos outros, além das gravações preciosas dos parceiros citados anteriormente.
Sempre reparei a turbulência do mundo. A correnteza dos dias. Tudo teria importância sob o olhar do poeta.
Caminhava sem medo pelas ruas, cantava nas esquinas com os amigos, fazia serenata na capital mineira. Saia pelas noites com pés alados e pensamento nas estrelas.
E a borduna descia nos porões da ditadura brasileira.
Mas, em compensação, aos 17 anos, fui surpreendido pela música seminal de minas. Com ela, iria ganhar o mundo.
Com Sirlan, fiz minha primeira canção. Também com ele, a segunda, que nos levou ao Festival Internacional da Canção, em 1972, com a música, Viva Zapátria. Levou Menção Honrosa e tivemos o desprazer de sermos interrogados pela censura federal. O tempo era esse.
No cinema, trabalhei na produção do longa “Cabaret Mineiro”, premiado no Festival de Gramado. Fiz parcerias com Tavinho Moura para o filme “Perdida”, ambos de Carlos Alberto Prates Correia, e para o longa “O Bandido Antonio Dó”, de Paulo Leite Soares.
Trabalhei como ator no longa “Idolatrada”, de Paulo Augusto Gomes, e nos curtas “Irmãos Piriá”, de Luis Alberto Sartori e “Solidão”, de Aluizio Sales Jr. Fui também assistente de direção no curta-metragem “Famigerado”, de Aluizio Salles Jr, que conta um conto de Guimarães Rosa e é esplendoroso.
Tive músicas incluídas em novelas. “Cabocla”, “Dona Beija”, “Vale Tudo”, entre várias outras. Fui redator, durante 6 anos, do programa Arrumação, apresentado por Saulo Laranjeira, na Rede Minas e no SBT.
Em abril de 2019, fui honrado com o título de Cidadão Honorário de Belo Horizonte, indicado pelo vereador Arnaldo Godoy.
No mais, disponho aqui músicas e poesia para quem quiser conhecer um pouco mais de um sertanejo pop, segundo meu grande amigo e poeta, Lucas Guimaraens.
Sei lá se sou.
Manuscrito da música Nascente. Parceria com Flávio Venturini.
Gravação de áudio no set do filme "Irmãos Piriá", de Luis Alberto Sartori. 1980
“As pessoas deixavam o tempo passar, faziam as coisas no seu devido tempo, na sua cadência, sem sofreguidão. Isso eu aprendi pra sempre”.
Fernando Brant, Chico Amaral, Murilo Antunes, Ronaldo Bastos, Marcio Borges, Tavinho Moura
LIVROS
VÍDEOS
Poema ao Vivo - Strawberry Fields
POESIA E CLARONE (MURILO ANTUNES E ANDRÉ MEHMARI)
Flávio Venturini - Nascente (Flávio Venturini & M.Antunes)
Cobra Coral e Toninho Horta - Quadros Modernos
Flavio Venturini & Leila Pinheiro - Bésame
14 Bis - Uma Velha Canção Rock'N' Roll (Ao Vivo)
Andarilho de Luz - Flávio Venturini
João Bosco, "Besame", de Flavio Venturini e Murilo Antunes
LIVES
Nesta live do Flavio ventureine, que foi ao ar em 25 de julho de 2020,
são apresentadas 11 musicas em parceria com o Murilo Antunes.
"O processo criativo na MPB", Live entre os parceiros Murilo Antunes e Paulo Henrique.
MURILO E O CINEMA
FILME "IRMÃOS PIRIÁ"
Gravação de áudio no set do filme
"Irmãos Piriá", de Luis Alberto Sartori. 1980.
Curta metragem Irmãos Piriá, dirigido por Luiz Alberto Sartori, em que Murilo Antunes e um dos atores principais.
Trilha de Toninho Horta.
FILME "SOLIDÃO"
Matéria sobre o filme "Solidão", de Aluizio Salles Jr. Murilo contracena com Lucia Schetino.
FILME "PERDIDA"
Perdida ganhou 11 prêmios em Gramado, inclusive melhor Trilha Sonora.
(Mauá de Baixo), Parceria com Tavinho Moura faz parte
da trilha sonora de "perdida". Gravação de 1975
No filme "Perdida", de Carlos Alberto Prates Correia, Tavinho Moura incluiu nossa parceria na trilha sonora. 1975
FILME "CABARET MINEIRO"
"Cabaret Mineiro", longa metragem de Carlos Alberto
Prates Correa, vencedor de muitos prêmios no
Festival de Gramado. Trilha de Tavinho Moura,
estrelado por Tania Alves, Tamara Taxman e grande
elenco. Murilo trabalhou na produção. 1989
Filmado em Grão Mogol, Contria e Montes Claros, o ator principal é Nelson Dantas.
FILME "FAMIGERADO"
Murilo foi assistente de direção. 1991
GALERIA
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QUADROS MODERNOS
Murilo Antunes/ Toninho Horta/ Flávio Venturini
Pode ser
Flores de Monet
Mar de girassóis
Tudo é tão comum
Sem ter você
Pode ser
Tela de Guignard
Sol de Renoir
Cores de cristal iluminando o dia
Pode ser
Filme de Godard
Torres de Gaudi
Um desenho a giz
Vou ser feliz
Pode ser
E que seja assim
Se é pra sonhar
Não seja no fim
Pode ser
Chuva da manhã
Curvas de Rodin
Tudo é tão comum
Sem ter você
Pode ser
Sonhos de Dali
Traços de Miró
Só a sua luz me ilumina a vida
Pode ser
O Abaporu
Portinari azul
Tudo é tão igual
É tão comum
Pode ser o que imaginar
Sem você aqui
Só resta sonhar
UMA VELHA CANÇÃO ROCK'N ROLL
Murilo Antunes/ Vermelho/ Flávio Venturini
Olhe
Oh, venha
Solte seu corpo no mundo
Dance cada instante
Brinque comigo de novo
Nessa estrada
Um pé nas nuvens
Outro pé noutro lugar
Uma saudade, uma viagem
Onde vai meu coração?
Saiba como ser livre
Todo momento da vida
Viva cada instante
Dia após dia, após dia
Nessa estrada
Um pé nas nuvens
Outro pé noutro lugar
Uma saudade, uma viagem
Onde vai meu coração?
Inda hoje, inda bem no caminho
Vem alguém, mais alguém, muito mais
Canto alegre, não sigo sozinho
Uma velha canção rock'n roll
Inda vem mais alguém no caminho
É alguém que não sai nunca mais
É você tão feliz e sozinho
Uma eterna canção rock'n roll
VIVA ZAPATRIA
primeira música gravada, sucesso no Festival Internacional da Canção, 1972. Sirlan e Murilo Antunes. Aqui cantada por Sirlan e Pablo Castro. Compõe o dvd "Como se a vida fosse música.". Arranjo de João Antunes.
VIVA ZAPATRIA
Sirlan e Pablo Castro
Esse meu sangue fervendo de amor
Aterrizam os falcões, onde estou?
Carabinas, sorriso, onde estou?
Um compromisso a sirene chamou
Duplicatas, meu senso de humor
Se perdeu na cidade onde estou.
Viva Zapátria, saudou esse meu senhor
Beijos, abraços, ano um chegou
Salve Zapátria, ê, viva Zapátria, ê
Esta cidade foi uma herança só.
Viva Zapátria, saudando o senhor
Horizonte aberto onde estou
Esta América mãe onde estou.
SUPER HERÓI
Murilo Antunes/Sirlan
Se acontecer num futuro qualquer
Meu herói te chamar, volte atrás
Passado aberto, já vou
Não me aperto, só vou
Minha sombra visitar
Vai acontecer, nasceu mais um super-herói
Vai acontecer, nasceu o mais novo herói
Segue em frente, meu herói
Tudo é sensação
Abra sua mão
Você vai salvar o meu jornal
Eu quero salvar o meu jornal da manhã
E amanhã arranjar
Um lugar para você, meu herói
Vai acontecer, viveu mais um super-herói
Vai acontecer, viveu o mais novo herói
Vira, volta, meu herói
Sua hora vem chegando
Tem alguém querendo te salvar
Teu alguém querendo te salvar
Também eu quero ir salvar o futuro
O futuro tá morrendo, meu herói
Murilo Antunes / Flávio Venturini
Clareia, manhã
O sol vai esconder a clara estrela
Ardente
Pérola do céu refletindo teus olhos
A luz do dia a contemplar teu corpo
Sedento
Louco de prazer e desejos
Ardentes
Clareia, manhã
O sol vai esconder a clara estrela
Ardente
Pérola do céu refletindo teus olhos
A luz do dia a contemplar teu corpo
Sedento
Louco de prazer e desejos
Ardentes
NASCENTE
BESAME
Murilo Antunes / Flávio Venturini
A orquestra já nos chamou
Abri meu coração
Tremeu o chão
Eu vi que era feliz
A luz de um cabaré
La noche nuestra
O mundo a rodar
Vem o fogo da paixão nos queimar
La luna tropical
O som de um bandonéon
Não me canso de pedir
Besame
Besame mucho mas
ANDARILHO DE LUZ
Murilo Antunes/ Márcio Borges/ Flávio Venturini
Uma estrela caiu
E nos desejou
Um amor maior que os andes
Das geleiras azuis
A montanha acordou
E emaranhou
Viajante solitário
Avião e vapor
Lua lua luou
E gravou no céu
O seu disco flutuante
Minha vista nevou
Andarilho de luz
Veio me trazer
Um sendero luminoso
Gavião e condor
Na trincheira do sol
Todos os irmãos
Mesma trilha guerrilheira
Violão e cantor
Quem pintou amanhã
Paz de bom pastor
Sentimento quebra gelo
Coração e calor
"Para aqueles que vivenciaram os anos de chumbo da ditadura militar esta é mais uma grande música que marcou época. "Viva Zapátria" foi composta por Sirlan Antônio de Jesus, com letra de Murilo Antunes. Esta canção foi incluída no LP "Profissão de Fé" (1979, Gravadora Continental), que contou com a participação de Flávio Venturini nos teclados e Beto Guedes no baixo, além dos músicos Crispim Del Castia, Robertinho Silva, Jamil Joanes, Toninho Horta, Helvius Vilela, Wagner Tiso, Mauro Senise, MPB-4 e Mauricio Einhorn.
Sirlan e Murilo defenderam "Viva Zapátria" pela primeira vez no VII FIC, Festival Internacional da Canção, da Rede Globo, em 1972, que foi lançada pouco depois em um compacto pela Som Livre. Dias antes da apresentação, a dupla havia sido "convidada" a explicar perante à Censura Federal, a razão daquele título, mas acabou convencendo os censores de que a inspiração havia sido um filme realizado em 1952, que possuía o nome "Viva Zapata". Considerado uma das grandes revelações do festival, Sirlan obteve para a canção, apenas uma menção honrosa. Lembro-me bem de Sirlan, pois fomos colegas de trabalho, nos anos 60/70, na saudosa TV Itacolomi de Belo Horizonte, empresa dos Diários Associados. Naquela época era comum vê-lo a dedilhar seu inseparável violão e a cantarolar esta e outras belas composições de sua lavra. Graças a ele fiquei sabendo do famoso "Clube da Esquina", do bairro Santa Tereza, em BH, de onde surgiram uma verdadeira geração de novos talentos como os irmãos Borges (Marilton, Márcio e Lô), Milton Nascimento, Fernando Brant, Wagner Tiso, Tavinho Moura, Toinho Horta, Beto Guedes, Flavio Venturini, dentre outros. A letra desta canção pode parecer simples, mas cada frase é carregada de significados e sua mensagem de esperança e liberdade era um alento aos que viveram este período bicudo de nossa história. Vale lembrar que a carreira promissora do cantor e compositor Sirlan foi arruinada, por conta dessas perseguições por parte da censura. Após lançar o seu primeiro LP, que teve por título "Profissão de Fé", Sirlan abandonou sua promissora carreira e, segundo soube, vive hoje da produção de gingles publicitários.
E no momento em que um grande clamor popular toma conta do povo brasileiro, que ocupa as ruas do país em busca de seus mais básicos direitos, nada melhor do que rever e ouvir esta bela e atualíssima canção".
Primeiro disco gravado com parcerias de Murilo Antunes e Sirlan.
Compacto da Som Livre. 1972
POEMAS
Sou do Vale, sim senhor
Maio 2020
Casa de junho
Outubro 2020
COVID COVARDE
Hospeda-se no morcego o vírus
Quanto mais se olha
Mais ficamos cegos
Nada vemos
Enquanto se multiplica
O seu exército do mal
Invisível
Nada risível
Camuflável
O coronavírus
Como quem não quer nada
Contamina tudo
A voz
Os pulmões
Rins Artérias Coração
Leva indistintamente todos para o buraco
A cova arde
A covid é covarde
Não aparece não se mostra ataca no escuro
Do interior humano obscuro
A cova arde
A covid é covarde
SOLO EM NOITE DE LUA
Eu, cheio de música
Invado você, Belo Horizonte
E perfuro suas entranhas
Com a seta envenenada da poesia.
Rastejo sob seu vestido
Oh¡ grande dama noturna que me fareja
Solo amor feito agora
Entre fios, em suas vias ordinárias
Nas dobras da sua carne
Eu e Você, cidade feminina, masculina, irmã
Parceira dos meus desenganos
Cúmplice das minhas descobertas.
Na penumbra de seus ossos caminhos
Atrás de sexo...e preguiça.
Em seus lençóis repousa o gozo secreto
Estendido nos varais
O mel de nossas células, as marcas de amor.
A lua vigia novos atos sob a ponte
Sobre a grama, sobretudo, sobre as camas.
Em seus canais escorrem noriaotícias e lodo
OUÇA
O canto das enxurradas imprevistas e lamacentas
O canto dos padeiros, dos vigias
OUÇA
A voz das pedras encobertas.
Descanse por um momento em sua veloz trajetória
E não adormeça
Extraia um canto próprio das esquinas das buzinas
das minas soterradas sob seus pés.
A Serra do Curral, mãe violentada
Volta seu perfil mineral para o longe
O que foi sombra, o que foi serra
Hoje é triste vento sem retorno
Eu, cheio de música, invado suas avenidas
Não porto bandeira, nenhuma riqueza comigo
A última lágrima reservo para o fim,
BELO HORIZONTE.
Quando ninguém mais ferir o seu corpo
E você já estiver senil
Será tempo de chorar a ingratidão
De quem habitou sua juventude.
A última lágrima reserve para o fim.
SÓ OS ASSASSINOS QUEREM QUE EU MORRA
Este poema é novo, nada hilário
Falo da chacina da Candelária
Conheci meninos de rua meninos da roça
meninos isso e aquilo meninos o-que-seja
Desde pequeno vejo crianças amordaçadas
Olhos tapados de preto nos jornais
Pixotes adormecidos ao som Taurus 45
Escrito em sangue
Este poema é um advento contínuo e violento
jorra
chora na masmorra
ao intangível futuro clama
Só os assassinos querem que eu morra
Este poema não fala
sente sério
Em riste ao momento demente
se confessa
Ébrio apoplético catatônico apalermado
Meu pais morre ensanguentado sob os sinos da Candelária
Todos se perguntam embaralhados
- Qual poder absoluto rege os assassinos de meninos?
Crianças à mercê de pistoleiros indomáveis
Sem mãe sem paz
À mercê destas zonzas bestas do apocalipse!
ATO DE CONFISSÃO
Sou frouxo
Não mordi a faca da vida
Que a tantos cortou
Não impedi o tsunami de maldades
Que o homem inventou
Sou frouxo
Não paralisei palavras hediondas
Crimes preconceituosos
Pedras lançadas contra
O crâneo da inocência
Sou frouxo
Por escolher ser lírico
Ao invés de guerrilheiro
Por não ter lido 50 vezes
O Grande Sertão do Rosa
O Cão Sem Plumas do Cabral
Não vi o sangue espesso da dor
O lamento gélido do sertanejo
Sou frouxo
Não combatí a empáfia
Dos poderosos
Ou se o fiz
Foi apenas com versos gozosos
De nada adiantou cantar
Canções no torvelinho
Das injustiças
Para que catei feijão
Quando a fome era de amor?
Sou frouxo
E não há mais tempo
Para reescrever minha história
Então...Assim Seja.
STRAWBERRY FIELDS É UM APELO AOS DESENCANTADOS
A cada copo em brinde, lembrem-se:
meu coração não é seda só: ele RUGE.
Não correspondo ao sorriso amarelo
de ídolos antigos
hoje
sei que mitos congelam-se no tempo
idos
ídolos
idosos
peço a todos que trocam o dia pela noite
e dissipam com um NÃO os males
da natureza humana
a todos que se embaraçam nos fios das canções
e se dissolvem
líquidos
nos mares da melodia
por favor, viajem
mas pousem novamente por perto suas fantasias
percebam melhor a música
(rainha dos 5 sentidos)
não deixem escorrer a vida
por entre lágrimas e alucinações
só por divagação
façam uma excursão ao eterno
e à displicência
MAS VOLTEM
Ao menos pra cantar uma balada
e matar a saudade.
PRIMEIRO POEMA NO MAC BOOK
Onde termina o quarto e começa o espaço?
Onde finda o gozo e explode imenso o amor?
Palavra estranha
Invisível inalcançável
Indivisível
Só acontece se um e outro
Sorgo da penúria
Chorume da busca infinita
A escorrer lentamente entre as coxas
`as vésperas de um novo gozo
Onde começa onde termina
o espaço interno o inquieto recomeço
em eterno alvoroço?
PÁTRIA-MÃE
Mães de todo mundo, rogai por nós
Leis desfalecem
Roubos recrudescem
Caracteres empalidecem
Já não temos tempo a perder
Percamos muito tempo no fazer
O amanhã agora
Assinado
Filhos desta Pátria-Mãe
nada gentil
que tanto padece
COM LICENÇA, MANUEL BANDEIRA
Peço licença a Manuel
Dou bandeira pra dizer
Menina bonita do vestido verde
Me dá tua boca pra matar minha sede
A saudade é cedo
E o mundo vai além do céu
Nada é meu nada é seu
Só quero ter luz no breu.
O VERSO NO BREU
caveira de boi espantalha no brejo. noite escura, de uma
luminosidade negra que apavora.
o tempo ali parece que parou, cristalizado no ar.
momento escuro, e breu é cruel: deixa cada um prever o
que quer, faz o medo dominar. breu tem fantasma, melhor,
tem assombração, intriga, conspiração.
o primeiro tiro ecoa pelo brejo inteiro, afugentando
feras, esterilizando casais, esfriando todos até a
medula.
a voz vem do breu: — ninguém se mexa. tenho muita gente
comigo, todos prontos, com os dedos
no cão. queremos água e carne
bastante pr’umas tantas léguas.
— vamos atrás de um homem de barba,
de fala certa, que andou instigando o povo daqui. quem
der pista, tem prêmio.
soube-se depois de um corpo claro, sob uma árvore,
retalhado de bala, traidoramente denunciado,
oficialmente comemorado.
... tem de tudo no breu.
OPACIDADE
Hoje estou em silêncio
Sem mágoa nem amargura
Descubro o obscuro
Sou folha dormida
Oxigênio em falta
Estalo de galho sem ouvinte
Serpente sem peçonha
Maré vazia estardalha horizonte
Lua inquieta que em rito ouve
O coaxar da saparia
Agonia solitária na selva do medo
Hoje estou envolto em bruma
Nenhum dogma ou certeza me abala
A saudade aperta o gatilho da alma
Tudo se agita e digo nada
Tremor nas mãos
Suor na cara
Temor se espalha aos poucos nos poros
Estou insípido inodoro inalvejável
Não há tigre que me alcance
Bala perdida que me ache
O amor não me quer
A ira me corrói
O vazio ocupa os salões do cérebro
Sou um rio sem água
Amazônia no estio
Ponho em dúvida a própria poesia
Alimento que agora me enfraquece
Zumbido que ensurdece o lamento
Mas hoje sou silêncio pálido
Sem mágoa ou amargura
Durmo
Até que o tédio passe.
DESMANDAMENTOS.
Edição tipográfica única. Impressão de Paulo Giordano,
em papel artesanal.
A N O N I M A T O
Na escuridão do anonimato
Todos se olham
Sendo parte da imensidão
Uns lentos
Cruzam pontos de luz
Outros
Nem sombra são
Não vemos cicatrizes
Não observamos parcos gestos
Nem reprimimos lisuras de estilo
Anônimos somos
Puídos casacos arrastamos
Compondo sombras sem nome
Nas paredes descascadas
Cantigas antigas surpreendem
O breu
Na boca de um pobre feliz
Marmitas
Em mãos famintas
Enquanto rosas roçam Rosa
Beijos, sim, roubados ou não
Porque beijos são
Códigos da noite
Sabemos no entanto
O intuito da lâmina em riste
Ao nosso espanto
Na região das sombras
Nem tristes nem loucos
Anônimos somos
ELEGIA INCOMPLETA À MINHA MÃE ESTHER
escrito no dia do seu aniversário, 21/10/2020. Ela se foi no ano 2002.
A sua face de perfil no hospital
o aparelho verde mostra a fatal pressão a cair
a cair
até
despencar na fatalidade irreversível
foste
mas ficaste
seu coração nunca parou
você impassível, minha mãe
quão diferente do seu alegre cantar ao som
dos inesquecíveis temperos e panelas
na cozinha nortemineira
mendigavas nosso amor em silêncio
alguns ouviam outros não
enquanto eras o esteio daquela família simples
que ganhava o suficiente para o alimento e a roupa
nem luxo nem riqueza
desta pobreza veio a poesia que me deste
em gestos solitários a cerzir sonhos para os filhos
assim como me deste
a visão de mundo em compaixão
a fé no futuro
nada de escuridão
no falar no vestir no andar no ir além
dos pequeninos muros da nossa cidadezinha
nada de sucumbir aos poderosos
o pequeno é imenso
veio de sua sabedoria e zelo
lembro ainda hoje você naquela tarde quente
trazendo da rua um presente
sem pedir sem falar disparou minha sedução pela música
um violão, quando fiz 12 anos
no qual você tocava (e me encantava)
o samba-canção de Dolores Duran “A noite do meu bem”
lembro seu almoço caprichado pra Bituca
a quem tanto admirava
a ponto de fazer a sobremesa trabalhosa
preciosidade maravilhosa, as madalenas
sua paixão infinda pela música
o que também me fez apaixonar
ao conhecer por ela, Noel Rosa, Ari Barroso
Assis Valente, Pixinguinha, Vicente Celestino
Desde menino ouví sua voz maviosa
A cantarolar radiosa entre receitas e roupas
Paro aqui esta elegia. O soluço interrompe
este dia de bom agouro
21 de outubro
Minha mãe Ester faria
96 anos de poesia.
Álbum de Família
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PALAVRA DO POETA
Mario Vargas Llosa diz que a nossa civilização atual é a civilização do espetáculo. O que ele quer dizer com isso? É a civilização de um mundo onde o primeiro lugar na tabela de valores vigentes é ocupado pelo entretenimento, onde divertir-se, escapar do tédio, é a paixão universal. Esse ideal de vida é perfeitamente legítimo, sem dúvida. Só um puritano fanático poderia reprovar os membros de uma sociedade que quisessem dar descontração, relaxamento, humor e diversão a vidas geralmente enquadradas em rotinas deprimentes e às vezes imbecilizantes.
Mas transformar em valor supremo essa propensão natural a divertir-se tem consequências inesperadas: banalização da cultura, generalização da frivolidade, eu acrescentaria desprezo às raízes culturais e, no campo da informação, a proliferação do jornalismo irresponsável, da bisbilhotice e do escândalo.
É como se houvesse se quebrado a espinha dorsal das civilizações ou, para um dizer vegetal, é como se vivêssemos uma CULTURA HIDROPÔNICA, de raízes aéreas ou aquáticas, que desprezam a terra de onde vieram um dia.
Mas, repito agora, um pensamento indígena que ouvi no filme “Regresso”: “ O VENTO NÃO DERROTA UMA ÁRVORE QUE TEM RAÍZES FORTES “
O que se fez antes, pouco importa para grande parte das pessoas. Importa o agora.
A banalização das artes e da literatura, o triunfo do jornalismo sensacionalista e a frivolidade da política são sintomas de um mal maior que afeta a sociedade contemporânea: a ideia temerária de converter em bem supremo nossa natural propensão a nos divertirmos.
No passado, a cultura foi uma espécie de consciência que impedia que virássemos as costas para a realidade. Agora, atua como mecanismo de distração e entretenimento.
Na civilização dos nossos dias é normal e quase obrigatório a culinária e a moda ocuparem boa parte das seções dedicadas à cultura, e os “chefs” e “estilistas” terem o protagonismo que antes tinham cientistas, compositores e filósofos. Estrelas de televisão e os grandes jogadores de futebol exercem sobre costumes, gostos e modas a influência antes exercida por professores, pensadores e teólogos...
Não digo que isso seja ruim. Digo, simplesmente que é assim.